Impressionante o conto verídico da Mirtes Esteves Carneiro, mas uma vez ela me fez chorar. Sei que todos gostarão muito!
Vistos atos uma tribuzana!
O número sete acompanhou a vida
do casal Esteves: Silvério e Maria. Casaram-se no dia
7 de fevereiro de 1953, em Aparecida do Norte. Exatamente sete
anos depois,
no dia 7 de fevereiro
de 1960, um grande
acontecimento marcou a vida deste casal.
Silvério e Maria constituiam uma vida em comum e nesta data
contavam com quatro filhos: Luiz Carlos, Miriam, Carlos Henrique e João
Batista, respectivamente com 5, 4, 3 e 1
ano de idade.
Eles moravam em uma fazenda bastante
distante da cidade
e não havia vizinhos
por perto.
Era uma tarde
de domingo, chuvosa, com muitos relâmpagos e raios. Silvério
estava ausente, cuidando do gado. Maria tinha muito medo de tempestades, e uma
tribuzana se anunciava. Reunindo seus filhos, Maria rezava junto
à Nossa Senhora
Aparecida, que foi presente
de Silvério, quando eles
se casaram. Era uma imagem
de porcelana.
Silvério estava no pasto, caía uma chuva fina. De repente ele
viu um raio caindo na casa e a fumaça saindo. Apavorado, desceu a galope e, ao
tentar desmontar o cavalo muito
depressa, seu pé enfiou pra dentro do estribo e cutucou o cavalo que saiu
andando, arrastando-o ainda com uma perna dependurada no arreio.
Aproximando-se, visualizou uma grande
fumaça se levantando de dentro de seu lar. Ao entrar,
viu que as crianças
estavam caídas no chão, muito machucadas.
O raio deixou vestígios por dentro
da casa, marcando com um sinal
azulado por onde
havia passado. Tijolos foram arrancados, a casa
ficou quase completamente
destruída. A imagem de Nossa Senhora fora
projetada para fora
da casa e não
se quebrou, jazia abandonada ao lado de uma galinha morta, com os pintinhos
duros embaixo das asas, esturricada pelo raio.
Os batentes das portas
foram lançados longe, um deles atingindo a cabeça
de um de seus filhos, Luiz Carlos, que sangrava muito.
Carlos Henrique ficou com a metade esquerda
do corpo toda
queimada, em
pele viva
e também ‘engoliu a língua’,
sendo dado por
morto.
Silvério, em sua praticidade masculina disse à esposa: desista deste,
vamos salvar os outros.
Mas a mãe não desiste, insiste. Consegue trazê-lo
novamente à vida,
abrindo sua boca
que estava fortemente
cerrada e puxando sua
língua com uma colher.
A filha do casal, Miriam caiu de joelhos com o impacto do raio e ficou presa ao chão, sem conseguir se levantar.
O caçula, João Batista foi fortemente atingido pelos estilhaços de um espelho,
que estava dentro da porta de um guarda-roupas e que fora lançada contra a parede.
Seu corpo ficou todo lanhado pelos cacos do espelho.
Maria, felizmente,
nada sofreu. O casal socorria as crianças como podia, não havia vizinhos onde
moravam. Silvério solicitou a Maria que fosse pedir ajuda.
Maria atendeu, montou em
seu cavalo e saiu. Mas...chegando ao alto do morro, ouvindo outro estalo, seu
pensamento de mãe não a deixou ir, algo em seu coração não a deixou partir,
seus filhos e seu marido estavam ali, ela foi incapaz de abandoná-los para ir
buscar ajuda, pois pensou que ao voltar poderia encontrar todos mortos .
Retornou então e implorou ao marido que fossem embora todos juntos. Assim
fizeram, pegaram as crianças e o que foi possível e partiram em busca de ajuda,
deixando para trás a casa completamente arruinada.
Na cidade, a família foi
buscar ajuda médica e as crianças necessitavam de remédios. Silvério foi até a
farmácia comprar os medicamentos e, como não tinha dinheiro em espécie, perguntou
ao farmacêutico se poderia pagar no dia seguinte, na segunda feira, mas recebeu
em resposta uma recusa. O valor da conta era de 500 cruzeiros. Então, Silvério ofereceu
ao farmacêutico um cheque em garantia, no valor de toda a féria do mês, na
época 12 mil cruzeiros. O farmacêutico não aceitou. Silvério ofereceu todo o
dinheiro contido no cheque em troca dos remédios, também não houve acordo.
Silvério saiu angustiado e
encontrou uma turma de homens em frente ao Cine Alfenas. Pediu licença e
perguntou se algum deles poderia trocar o seu cheque. Disseram a ele que estava
louco, trocar um cheque naquele valor, no domingo. Silvério contou o ocorrido e
o Sr. Osvaldo Orsi retirou o dinheiro do bolso e deu a ele para que pagasse os
remédios. Assim, já se dirigindo à farmácia com o dinheiro no bolso, Silvério
foi interpelado pelo sr. Israel, dono de uma outra farmácia, que se ofereceu
para lhe ceder os remédios. No final das contas, Silvério saiu de lá com os
remédios, o dinheiro e o cheque no bolso. Este episódio marca a solidariedade de uns e a falta dela
em outro. Mas, louvável esta atitude do sr. Orsi e do sr. Israel, naquele
momento tão difícil. Silvério creditou sua gratidão aos amigos até o fim de
seus dias, repetindo esta história aos seus, que agora a passam adiante.
As crianças ficaram na
cidade para serem tratadas, a história chocou a cidade de Alfenas. As crianças
eram visitadas por muitas pessoas e se tornaram o símbolo deste milagre que Silvério
e Maria atribuíram à Nossa Senhora Aparecida. Menos de um ano depois, a família
fez uma viagem à Aparecida do Norte, para agradecer a proteção de Nossa Senhora.
Quem lhes conta é a filha
deste casal, Mirtes Esteves Carneiro, ainda não nascida na época deste marcante
acontecimento. Esta história é um fato que meus pais relatavam e retrata as
dificuldades que todos os seres humanos passam, mas com fé e perseverança,
tocam em frente, sempre em frente.
Ah, finalmente... cresci
ouvindo minha mãe dizer, sempre que se aproximava uma chuva forte: vistos atos
uma tribuzana! Saía tampando os espelhos, queimava palha benta e reunia todos
em um mesmo cômodo da casa.
Até hoje não consegui saber o que significa vistos atos, mas desconfio
que seja: a olhos vistos . Já tribuzana encontrei o significado: termo
frequentemente utilizado no sul de Minas para designar chuva forte.
(Termo usado no sul de Minas Gerais, na área rural de Alterosa, no final do século XIX e início do século XX), em www.dicionarioinformal.com.br